domingo, 11 de janeiro de 2015

Autenticidade e Transparência na Rede


Então eu tinha essa tarefa a fazer: escrever sobre a autenticidade e transparência na rede, o que inclui falar sobre a virtualização das relações sociais. 

Enquanto pesquisava sobre o assunto, lia blogs, artigos, etc, fui dar aquela espiadinha no meu Facebook e BINGO! Uma amiga fez um post sobre qualquer coisa e lá estava o comentário de uma amiga dela:




Achei interessante, pois isso tinha tudo a ver com o assunto que eu precisava desenvolver. Quem somos nós, afinal, nesse mundo tecnológico de hoje? Quem somos no plano real? E no plano virtual? E onde está a linha que divide esses dois planos?

Eu não sei onde está a linha. Na verdade, nem estou tão convencida da sua existência. Sei que o que é exposto na rede muitas vezes não condiz com a situação real. Não é tão difícil parecer feliz, bem sucedido, bem amado, espiritualizado ou filosófico nas redes sociais. No entanto, um contato um pouco mais íntimo pode revelar que isso tudo é, de fato, só aparência, máscara. Porém, não encaro esse fato como uma particularidade da rede. 

Sou dessas que gostam de uma cervejinha, tenho meus amigos e sinto imensa vontade de estar junto deles, ao redor de uma mesa de bar, em noites quentes de lua cheia. Acredito no poder da natureza sobre nós, nas influências das temperaturas, das estações, da lua. Sinto essa energia, esse desejo de sair e socializar quando as temperaturas sobem e a lua ilumina a cidade com força total. Mas isso não vem ao caso. O fato é que vivo estes momentos "offline" com certa frequência, ainda que as aspas deixem espaço para a utilização de smartphones com acesso à internet. Nessas situações, encontro-me com amigos de vários tipos. Sou eclética para amizades. Alguns aparecem sempre sozinhos e passam horas contando sobre seus casos amorosos. Outros apresentam-se bem vestidos, chegam em seus carros de luxo financiados ou emprestados dos pais, apreciam bebidas refinadas e, estrategicamente, dão um jeito de ir embora antes de pagarem a conta do bar. Tem aqueles que são o oposto: vivem reclamando da falta de grana, não querem ir neste ou naquele lugar pois acham caro, andam de carro velho, mas sabemos que acumulam fortunas em suas contas bancárias. São tantos tipos que eu poderia ficar aqui escrevendo por horas, mas acho que a ideia já pode ser extraída. Afinal, somos quem aparentamos ser? Nossa "imagem" nos reflete? 

Acredito que a resposta para ambas as perguntas seja SIM! Nós somos também o que aparentamos ser. Somos também nossa imagem. Não somos apenas isso. Mas isso faz parte de nós. 

Eu sou o que exponho nas redes sociais ou em mesas de bar, uma vez que essas informações causam nos outros a construção de uma ideia sobre mim e esta ideia influencia a forma pela qual eles se relacionarão comigo. Para aqueles que acompanham meus passos pelas redes, aquela sou eu. Por exemplo, se alguém compartilha apenas assuntos relacionados a festas, DJs, fotos com bebidas, tutoriais de maquiagem para a noite, etc, dificilmente seus colegas da rede a convidarão para eventos religiosos ou para passeios como trilhas ecológicas em lugares remotos. É muito mais provável que esta pessoa receba com certa frequência convites para festas e informações relacionadas ao cenário da música eletrônica. É provável também que esses convites favoreçam sua inserção e permanência no mundo das noitadas, das baladas. Não quero dizer que minha imagem determina ou limita quem sou ou quem posso vir a ser. Quero dizer que minha imagem influencia as relações que se estabelecem entre eu e o ambiente ao meu redor e, sendo o homem um ser social, que se constrói a partir das relações com o outro, esta imagem acaba por influenciar também a constituição do meu eu.

Considero essa interpretação interessante, mas convém assumir que a ideia não é minha. Vygotsky já defendia que o processo de constituição do Homem passa pela vivência com os outros, tendo seu início no nascimento e sua consolidação na fase adulta. São os processos interativos entre o sujeito e seu ambiente histórico e cultural que participam dessa constituição do Homem, tendo em vista que ele próprio tem um papel ativo nesse processo. (MARTINS, 1997)

Góes (2000) complementa essa noção:

A separação do individual e a distinção entre pessoas são primeiramente realizadas no plano social e, depois, reconstruídas pelo próprio indivíduo. E, por isso, há uma base genética social para tudo aquilo em que um ser se torna – ele aplicará a si o que vivenciou com os outros.

Sendo então as relações sociais tão importantes para a constituição do sujeito, torna-se compreensível a ideia de que exista em cada um de nós um desejo de estabelecer relações positivas com os outros, que favoreçam nossa aceitação e contribuam para o estabelecimento de relações agradáveis, prósperas. Pertencer a um grupo é fundamental para seres sociais e cada grupo espera que seus integrantes possuam determinadas características. Em um mundo ocidental capitalista pós-moderno, certas características destacam-se, conferem prestígio e possibilitam uma melhor inserção social. Atualmente, não seria incorreto assumir que o perfeito aproxima-se daquele com alto poder aquisitivo, tipo físico atlético e personalidade extrovertida. Por isso, podemos facilmente identificar indivíduos que, mesmo distante desses padrões, esforçam-se para transmitir tal imagem dentro e fora da rede.

Mas então não há nenhuma diferença entre autenticidade e transparência na rede e fora dela? Acredito que haja. Ainda que determinados comportamentos observados na rede não sejam exclusividade dela, lá são potencializados e praticados de forma diferenciada, potencialmente mais perigosa em alguns casos.

Primeiramente, vale lembrar que uma informação compartilhada no ciberespaço consegue ser acessada por muito mais pessoas e muito mais rapidamente do que aquela informação compartilhada na mesa de um bar. Além disso, ela fica documentada. No caso de ser uma mentira, vai ser muito mais complicado "desmentir". Muitas vezes a mentira não foi nem criada por aquele determinado usuário da rede, mas sim compartilhada por ele, que não teve o cuidado de verificar sua veracidade e, com essa atitude, denuncia sua ignorância e irresponsabilidade para com o assunto.

O ciberespaço permite também outro comportamento de conduta duvidosa: o anonimato. Através de avatares, por exemplo, as pessoas podem ocultar suas identidades e compartilhar na internet conteúdos quaisquer, dos mais inocente aos mais perigosos ou condenáveis.

Algumas situações que não seriam possíveis no "mundo real" (como a da charge ao lado), acontecem facilmente na rede e suas consequências podem ser drásticas. Sobre essa questão, Eisenstein e Estefenon (2006) afirmam que "é uma faca de dois gumes, pois da mesma forma que pode ser usada para abrir uma discussão ou debate sobre algum tema importante, pode também esconder motivos ilegais ou criminosos, por segundas intenções" (p. 58).

No "mundo real" (uso aspas pois, por algum motivo, não me agrada essa dicotomia), a fantasia e a mentira têm alguns limites. Posso aumentar ou criar histórias, mas aquele para o qual dirijo a palavra tem acesso a elementos que, combinados com meu discurso, tornam mais fácil ou mais difícil a crença. Esses elementos são, por exemplo, expressões faciais ou outros atributos físicos que permitem ao outro criar seu próprio conceito sobre a minha pessoa. Na internet, esses elementos não existem de fato e é preciso menos habilidade e/ou coragem para criar informações falsas. A palavra ou as imagens são facilmente manipuladas na rede. Além disso, a comunicação escrita é predominante no ciberespaço e ela se difere da comunicação oral face-a-face, pois perde em espontaneidade e ganha em elaboração. 

Qualquer pessoa pode ser alvo de indivíduos mal intencionados e escondidos no anonimato permitido pela rede. No entanto, deixo aqui um alerta final: é preciso prestar especial atenção a crianças e jovens, que começam a participar da internet cada vez mais cedo. Donos de uma curiosidade intrínseca, estes precisam ser orientados em casa e nas escolas sobre os perigos da rede e sobre as formas éticas e apropriadas de utilizarem-se dela. Eisenstein e Estefenon (2006) indicam questões que devem ser dialogadas entre pais e filhos, a fim de minimizar os problemas que podem resultar de uma má utilização da rede. As autoras defendem que pais devem questionar seus filhos sobre quais sites eles costumam visitar, as formas pelas quais e as pessoas com quem se comunicam, impondo regras e limites. O tempo de uso da rede e os locais de acesso também devem ser combinados em família.

A escola tem, na maioria das vezes, ausentado-se dessa responsabilidade. Por não saber como lidar com a rede e seus perigos, opta mais por tentar banir o uso de dispositivos móveis e acesso a redes sociais e sites interativos - tentativas geralmente fracassadas - do que a educar seus usuários. Ainda que a família não deva delegar inteiramente essa função de orientação à escola, esta também não deve fechar seus olhos para uma realidade existente e irreversível. É urgente a incorporação, por parte das instituições educativas, de propostas que visem o preparo de crianças e jovens para um mundo tecnológico, no qual real e virtual se fundem e se confundem casa vez mais. Questões sobre o público e o privado merecem ser debatidas, assim como ética e cidadania. Quando a escola e a família trabalham em parceria, os resultados são ainda mais positivos.

  


Referências

EISENSTEIN, Evelyn; ESTEFENON, Susana. Computador: ponte social ou abuso virtual? Adolescência e Saúde, v 3, nº 3, pp. 57-60, outubro, 2006. Disponível em: http://adolescenciaesaude.com/imagebank/PDF/v3n3a14.pdf?aid2=136&nome_en=v3n3a14.pdf

GOES, Maria Cecília Rafael de. A formação do indivíduo nas relações sociaiscontribuições teóricas de Lev Vigotski e Pierre Janet. Educ. Soc. [online]. 2000, vol.21, n.71, pp. 116-131. ISSN 0101-7330.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302000000200005.

MARTINS, João Carlos. Vigotski e o papel das interações sociais na sala de aula: reconhecer e desvendar o mundoIdéias, São Paulo, n. 28, pp.111-122, 1997.

Imagens

http://cotovelodeformiga.com.br/aparencias/

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